quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Adoração

Sermão pregado na SIB de Jacupiranga no dia 22 de Novembro (domingo) pela manhã.

“Faltavam apenas dois dias para a Páscoa e para a festa dos pães sem fermento. Os chefes dos sacerdotes e os mestres da lei estavam procurando um meio de flagrar Jesus em algum erro e matá-lo. Mas diziam: ‘ Não durante a festa, para que não haja tumulto entre o povo.’ Estando Jesus em Betânia, reclinado à mesa na casa de um homem conhecido como Simão, o leproso, aproximou-se dele certa mulher com um frasco de alabastro contendo um perfume muito caro, feito de nardo puro. Ela quebrou o frasco e derramou o perfume sobre a cabeça de Jesus. Alguns dos presentes começaram a dizer uns aos outros, indignados: ‘Por que este desperdício de perfume? Ele poderia ter vendido por trezentos denários, e o dinheiro ser dado aos pobres’. E a repreendiam severamente. ‘Deixem-na em paz’, disse Jesus. Porque a estão perturbando? Ela praticou uma boa ação para comigo. Pois os pobres vocês sempre terão com vocês. Mas a mim nem sempre terão. Ela fez o que pôde. Derramou o perfume em meu corpo antecipadamente, preparando-o para o sepultamento. Eu lhes asseguro que onde quer que o evangelho for anunciado, em todo o mundo, também o que ela fez será contado em sua memória. Então Judas Iscariotes, um dos doze, dirigiu-se aos chefes dos sacerdotes a fim de lhes entregar Jesus. A proposta muito os alegrou, e lhe prometeram muito dinheiro. Assim, ele procurava uma oportunidade para entregá-lo.”(Marcos 14:1-11)

Muita coisa se fala de adoração. Acredito que seja muito importante se falar nesse assunto. Mas a adoração deve ser construída a partir de uma teologia muito bem analisada sobre Jesus. Afinal somos cristãos e não judeus. Ao analisarmos adoração somente sob o viés do Antigo Testamento, sem um olhar em Jesus e em sua mensagem, nos tornamos quase que judeus. Mas também não podemos olhar para Jesus somente como o salvador das nossas vidas, que morreu em nosso lugar (ele foi de fato), mas precisamos compreender o teor de sua mensagem de Reino de Deus, em especial nos evangelhos. A partir disto então, podemos pensar sobre adoração.

Estamos diante de um texto marcante e desafiador. Durante muito tempo fiquei pensando sobre o que Jesus quis dizer sobre ‘onde o evangelho for anunciado, em todo o mundo, também o que ela fez será contado em sua memória.’ (v.9). A atitude da mulher foi algo que desafiou a compreensão de todos os que ali estavam, mas Jesus percebeu nela algo que nem em seus discípulos havia percebido. Ela Compreendeu a real mensagem de Jesus. Para tentar explicar isto de forma mais clara, vamos pensar o que Jesus representava para as pessoas ali presentes: os chefes dos sacerdotes, os mestres da lei, alguns dos presentes na casa, Judas Iscariotes e a mulher.


1.Jesus representava uma ameaça

Ameaça para os mestres da lei e aos chefes dos sacerdotes. A lógica da pureza se tornara predominante em Jerusalém. Jesus não concordava com essa lógica, pois ela colocava Deus como um Deus distante, punitivo, vingativo. Excluía os pobres, doentes, mais fracos. Era o sistema religioso que predominava no sul, na Judéia e Jerusalém. A vida e a mensagem de Jesus incomodavam, pois tirava dos sacerdotes a prerrogativa da purificação. Jesus perdoava pecados, tocava em leprosos e ensinava isso como Reino de Deus. Ele mostrava que o elemento escatológico não era um Deus punindo o mundo com sua ira, mas um Deus presente na vida dos sofredores.‘ Os chefes dos sacerdotes e os mestres da lei estavam procurando um meio de flagrar Jesus em algum erro e matá-lo. (v.1) Mas diziam: “ Não durante a festa, para que não haja tumulto entre o povo.” (v.2).’

Queriam acabar com a ameaça. Jesus era uma ameaça a todo o sistema religioso da época. Sua vida e sua mensagem poderiam acabar com a tradição da lógica da pureza. Jesus não excluía, estava na casa de Simão, o leproso. Convivia com pessoas comuns, vinha da Galiléia. Não era alguém do centro sócio-religioso, mas um periférico.


2.Uma Decepção

Para Judas Iscariotes, Jesus foi uma decepção. Ele não era um líder revolucionário como esperava. Judas era provavelmente um Zelota, um radical, que acreditava em uma revolução com armas. Por isso, imaginou que Jesus seria o grande líder desta revolta. Ele foi traidor, mas também traído por usa ideologia de revolução. (v.9)

Jesus pode ser uma decepção para muitos, pois ele pode não representar aquilo que imaginam ou esperam. Há muitas expectativas erradas sobre Jesus. Ele não é a solução para todos os problemas, mas ele tem uma mensagem do Reino de Deus.


3. Deus 'entre' e 'para' os fracos

Aquela mulher entendeu isto. E por conta dessa compreensão derramou o que ela tinha de mais precioso em Jesus. Viu em Jesus o perdão, a humildade, a humanidade, a graça Muitos ficaram indignados (v.4). Mencionaram até a venda deste perfume para doar aos pobres. Ele custava o equivalente a quase um ano de trabalho. ‘Ela derramou o perfume em meu corpo antecipadamente, preparando-o para o sepultamento. (v.8).’

A mulher percebeu que a morte se aproximava de Jesus. Os profetas tinham a morte, o assassinato como fim, pois incomodavam. Ela viu em Jesus alguém que apresentou a vida com outros olhos, que amou, que andou com pessoas esquecidas, abandonadas, que não buscou fama, riqueza, mas que apresentou Deus como alguém entre os mais fracos. Aquela mulher entendeu a mensagem do Reino. Por isso o adorou. Por isso o homenageou e nem se deu conta dos demais líderes ali presente. Jesus diz que esse Ato jamais seria esquecido (v.9). Adoração deve partir de uma compreensão de Jesus, de sua mensagem de reino.


Conclusão:

Adoração deve passar sob o viés de Jesus de Nazaré, sob a perspectiva que temos em relação a sua vida e mensagem, principalmente a mensagem do Reino de Deus. Um perfume caro foi derramado sobre ele, por uma mulher que adorou. Não podemos reduzir a adoração a apenas cânticos de louvor ou momentos do culto, mas adorar com a vida, quando compreendemos o reino de Deus, permitindo que Deus, através de nós, se faça presente entre os mais fracos.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Milton Nascimento (Caetano Veloso) Terceira Margem do Rio

Homenagem ao meu irmão Clademilson Fernandes Paulino da Silva. Recentemente concluiu seu Doutorado em Ciências da Religião. Pesquisou o sagrado em Guimarães Rosa. Além de pesquisador é alguém que ousa a buscar a 'terceira margem do rio.'

O trágico e o belo na condição humana- parte II

“A que posso comparar esta geração? São como crianças que ficam sentadas nas praças e gritam umas às outras: ‘Nós lhe tocamos flauta, mas vocês não dançaram; cantamos um lamento, mas vocês não se entristeceram’.” ( Mateus 11:16,17).

Um dos melhores momentos para uma pessoa é quando ela se depara com sua finitude e percebe que precisa aproveitar bem todas as fases da vida. Infelizmente a grande angústia para muitos é lidar com isso, com as fases da vida. Há pessoas que insistem em recusar a fase que vive. Talvez por isso o sonho de consumo de muitos é uma cirurgia plástica ou uma lipo aspiração. A estética a todo custo, juntamente com o prazer a todo custo, têm causado um drama, pois essa obsessão pela “beleza” tem tornado as pessoas vítimas de uma exclusão. A vida passa a ser bela apenas para alguns, para aqueles que têm recursos e conseguem manter uma aparência mais jovem.

Uma postura dessas, além de não conhecer o significado de humanidade, não consegue compreender o real significado do belo. O que é o belo na vida? O que leva as pessoas a lutarem contra a própria vida em busca de algo que tão irreal? Interessante notar alguns adultos que usam roupas de adolescentes. Ouvi outro dia um ‘causo’: “um menino estava chorando, quando um velhinho viu e resolveu perguntar o motivo daquele choro. O menino então respondeu ao velho: “Eu estou chorando porque queria ter dezoito anos.” O velho olhou para o menino e também começou a chorar, dizendo: “ Eu também queria ter dezoito anos.”

O descontentamento com o próprio corpo tem causado doenças que nossas avós talvez jamais imaginassem existir: bulimia, anorexia. Como pode a luta pela beleza se tornar a tragédia na vida de pessoas? Esse desejo frenético pelo ‘belo’ tem sido vivido não só na individualidade das pessoas, mas também nas instâncias sociais e religiosas. O anseio de mostrar que é belo, jovem, representa a tentativa de mostrar que tem mais vida, mais poder. Não é difícil perceber isso no cenário religioso. Quem pode me explicar qual o sentido de uma ‘marcha para Jesus’? O que isso tem de significado concreto? Ou o que isso tem de relevância para o evangelho? Talvez tenha algum significado estético, isso eu concordo!

O que dizer de templos suntuosos ou de concorrência entre mega igrejas, que são muito “atrativas”, com suas estruturas “salomônicas” e empresariais, mas que têm dificuldade de conhecer a dor das viúvas, dos doentes, dos desempregados, dos viciados. É claro que isso atinge a todos, as megas e as pequenas igrejas. Programas televisivos que usam a mídia como meio de mostrar prestígio e poder, muito mais do que para levar o evangelho (há exceções).

A luta pelo estético tem sido maior do que a luta pela beleza da vida, pela beleza da justiça, pela beleza do sorriso das crianças e dos velhos. Como pensar igreja e até mesmo uma denominação apenas a partir de sua liturgia e não perceber que a beleza da igreja está nas pessoas e em Jesus. Mas essas pessoas são de carne e osso, que vivem as lutas do cotidiano, que querem ser notadas, não pela beleza de seus corpos, não pelos hinos que cantam, não pela tradição eclesiástica, mas pela beleza de suas vidas.

Nossa teologia poderia ser mais parecida com a de Juan Luis Segundo: “Uma teologia com sabor de vida.” Por isso eu acredito que a beleza da vida esteja realmente no dançar ao som das flautas e no chorar com o lamento, não como crianças birrentas que fazem o contrário, mas como pessoas conscientes que sabem discernir a fase da dança e a fase do lamento, vivendo cada fase da vida com dignidade e liberdade. (Mt 11:16,17)

Claudinei Fernandes