segunda-feira, 24 de maio de 2010

A família e o Sofrimento

Sermão pregado na SIB de Jacupiranga no dia 23 de Maio de 2010

Texto: Jó 1:13-19; 38: 1-3; 40:1-5; 42:3-6

Estamos mais uma vez refletindo sobre a família, algo que mexe conosco. Eu me preocupo com pessoas que, ao ouvir ou falar sobre família, não se sentem incomodadas ou tocadas. Já falamos sobre a família e seus desafios frente as transformações sociais; aprender com as mães: aprender para a vida; aprendendo com os bebês; Questões sobre sexualidade; agora vamos pensar sobre a família e o sofrimento. Na verdade as pessoas não gostam muito de falar ou ouvir sobre o sofrimento, preferem falar sobre sucesso, vitórias, conquistas, o sofrimento parece soar como fracasso, derrota. O problema é que o sofrimento é um tema presente na condição humana, na família.

Dificilmente uma família não tem marcas de dor, de sofrimento. É claro que há sofrimentos provocados por decisões erradas, como envolvimento com pessoas erradas, vícios, doenças que poderiam ser evitadas: obesidade, câncer causado pelo cigarro, problemas cardíacos decorrente de má alimentação e outras, acidentes por imprudência etc. Há também o sofrimento social, causado pela injustiça, pela ambição desenfreada de pessoas desumanas em detrimento da fome de outros.

Mas ao pensar sobre o sofrimento estamos referindo a algo que acomete a família, quando de repente todos são pegos de surpresa pela noticia de uma doença grave, de uma tragédia. Esse tipo de coisa que deixa marcas profundas pelo resto da vida e que se não for a misericórdia de Deus fica muito difícil continuar a vida. Não é preciso muito esforço para lembrar de casos aqui mesmo entre nós. Famílias que conviveram e convivem com a dor da perda de entes queridos. Esse ano para nós começou com uma perda de um jovem muito amado, o Josias. Essa semana fiquei sabendo de um primo, de apenas dezesseis anos que está com leucemia, em estágio avançado, precisando passar por quimioterapia a cada doze horas. Sua mãe ( minha prima) é enfermeira, acostumada a lidar com a dor, agora vê de perto o sofrimento do filho e consequentemente o seu.

O livro de Jó é um livro poético e sapiencial, onde reflete justamente a relação do homem com o sofrimento e do pensamento desse sofrimento em relação a Deus. Começa justamente falando sobre a mudança repentina na vida de um homem justo, perda dos bens, dos filhos e da própria saúde. Chorou a morte de todos os filhos. Mesmo que o texto destaque uma certa retribuição (recebeu tudo em dobro o que perdeu) no final do livro, os filhos que perdeu nunca puderam ser substituídos.

O livro é quase todo tratado em diálogos. Os amigos de Jó, Eliú, Jó e Deus (Javé). Esses diálogos expressam o que Juan Luis Segundo chama de duas teologias e meia. A primeira teologia é a teologia dos amigos de Jó, a teologia que tentava explicar o sofrimento de Jó como consequência de seu pecado. É a tentativa de explicar o sofrimento na relação causa e efeito (pecou-sofreu), do tipo “O que fiz para estar sofrendo issp?!.” A segunda teologia é a de Jó, que se defende em alguns momentos, em outros se revolta, outros se vê como pecador. A tentativa de entender o sofrimento e suas causas, o que está acontecendo.

Há muitos que são muito simplistas em afirmar que Deus deve ter um propósito, que não se deve perguntar o porque , mas o para quê. Uma teologia muito fatalista, como se fosse vontade de Deus. Dias atrás houve um avião que caiu na África, se não me engano, onde morreram 102 pessoas e uma criança de 10 anos sobreviveu. Muitos destacaram a soberania de Deus no fato daquela criança sobreviver, mas fica a pergunta: e as outras 102 pessoas? Como fica? Seria o destino delas?

A terceira teologia é a chamada meia teologia. É meia porque não tem resposta, ou seja, é a ausência de resposta. O silêncio é a única reação. Diante dessa meia teologia, do silêncio, da dúvida, é que nos faz ver a vida de forma mais real, livre. Deus não explica o sofrimento, não se coloca como autor dele, parece nos dizer, se vocês não entendem então se calem. A partir dessas considerações, pensamos sobre alguns princípios alguns nessa relação entre a família e o sofrimento.

1- Ame sua família enquanto você a tem
2- Aceite seus familiares como eles são. Aceite a pessoa, mesmo discordando de suas atitudes.
3- Se o sofrimento chegar, não deixe de viver o máximo e o melhor possível.
4- Não procure explicações, é melhor o silêncio.

Claudinei Fernandes

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Sócrates e o mundo gospel

“Estou apenas observando quanta coisa de que não preciso para ser feliz.” Essas, segundo Platão, são palavras de Sócrates ao passear pelo centro comercial de Atenas. Observar o que não é preciso para ser feliz é um exercício bastante inusitado. Não é comum alguém pensar sobre o que não é necessário ou o que não é útil, até porque pensar isso em uma sociedade de consumo soa como uma certa esquisitice.

Há uma certa loja muito conhecida no país que tem a seguinte frase de impacto: “ Vem ser feliz.” O ser feliz significa comprar algo naquela loja. Não se pode negar o poder do marketing, mas não se pode reduzir a vida e a felicidade a esse consumismo. É o mesmo que acreditar que alguém com um casamento arrebentado pode ser feliz comprando um celular novo. Talvez faça sentido para alguns, afinal, celular não tem sentimentos, portanto, não é capaz de de se estressar, de ficar emburrado, de ter TPM, mas também não é capaz de dar carinho, de encorajar, de abraçar. Celular é apenas um aparelho de comunicação, um produto de tecnologia. Tudo o que é tecnológico tem significado muito, pois o tecnológico é também simbólico, simboliza conquista, poder.

Não é muito difícil alguém pensar da seguinte forma: “Como houve vida antes da internet?” “Como pensar o mundo sem o msn ou o orkut?” O consumo e essa “tecnificação” da vida está levando as pessoas a um mundo tão virtual que nos faz voltar a Platão, com o mundo das ideias, da representatividade. A impressão que dá é que as pessoas, os sentimentos, o humano, nada mais são que representatividade e que o que interessa é o mundo virtual, o mundo do consumo.

Isso não é diferente no mundo evangélico e religioso. Ao pensar na oração, por exemplo, não significa mais, no imaginário das pessoas, uma forma de falar com Deus e de se relacionar com o Pai, mas uma maneira de se alcançar uma benção, uma espécie de cartão de crédito espiritual. Como não falar do conteúdo bíblico-teológico, que tem sido reduzido a meros chavões de auto-ajuda. A arte e a música no chamado mundo “gospel” tem sido muito mais um apelo de mercado, com um forte reforço de superficialidade, do que a preocupação com a vida e com a fé.

Talvez a provocação de Sócrates poderia ser feita nesse mundo “gospel”: “Estou apenas observando quanta coisa de que não preciso para ser feliz.” O que não preciso ouvir, o que não preciso cantar, o que não preciso participar, o que não preciso concordar, o que não preciso consumir.

Claudinei Fernandes