segunda-feira, 26 de agosto de 2013

O mágico/imediato. A tentação do imediatismo.

Então Jesus foi levado pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo Diabo. Depois de jejuar quarenta dias e quarenta noites, teve fome. O tentador aproximou-se dele e disse: “Se és o Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães.” Jesus respondeu: “Está escrito: ‘Nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus.’ ( Mateus 4:3,4). Após o batismo, Jesus é conduzido ao deserto pelo Espírito. O deserto, segundo alguns místicos orientais, retrata a condição humana. Lugar extremamente quente durante o dia, mas bastante frio à noite. Um lugar de contrastes. Beleza e solidão, silêncio e inquietação, imensidão e finitude. Outro relato bíblico que apresenta a tentação está no Gênesis. Adão é tentado no Éden, no paraíso. Não falta nada, tudo está em equilíbrio. Éden e deserto são ambientes diferentes, mas o que há em comum é a tentação. Adão e Jesus, pessoas diferentes, mas com o mesmo conflito. Geralmente quando se pensa em tentação, as pessoas, principalmente as mais moralistas, associam com questões sexuais. É obvio que se trata de algo muito mais complexo. A tentação é um convite à divinização do EGO. A primeira tentação a Jesus no deserto foi: “ Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães.” ( Mt 4:3). É como se o Diabo dissesse: “ Se és, então prova.” “Faz uma mágica aí! ” “ Dê um jeitinho.” “ Não perca tempo”. É a tentação pelo mágico, pelo imediato. O imediatismo é a tirania da pressa, o reducionismo da vida. Concentram-se todos os esforços, pensamentos, sentimentos e vontade à apenas um momento. Jesus responde: “Nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus.” ( Mt 4:4). Jesus não está ignorando a necessidade do pão, do comer, afinal quem tem fome quer comer. O que ele destaca é que não só de pão, daquilo que atende só a uma necessidade, mas de algo que vai além, que atenda a existência, o ser, a vida. Que oferece sentido e direção. Isso é uma construção, não é encontrado com ‘mágica’, mas num relacionamento com Deus. Essa palavra que procede da boca de Deus deve ser ouvida, percebida, não apenas com os ouvidos, mas com o espírito. Para ouvir é preciso parar, prestar atenção, estar sensível. Não importa o ambiente, paraíso ou deserto, afinal, o problema não é necessariamente o ambiente, mas a tentação. Talvez para alguns o tentador seja o foco, eu prefiro pensar em como o (a) tentado (a) lida com a tentação. Se se concentra no mágico/ imediato (imediatismo) ou se busca perceber Deus na caminhada, não apenas no momento, mas no processo. O processo, para Deus, parece ser mais importante que o fim. Os resultados atraem, mas podem impedir de perceber o que acontece no caminho. No caminho se faz amigos, há sonhos, aprendizagem, descobertas, risos com os filhos, celebração, choro. É nesse caminho que se vive da palavra de Deus. O mágico imediato entende Deus apenas como uma solução para seus problemas. Quem vive da palavra de Deus entende Deus como alguém que se relaciona, que entende os dilemas e inquietações mais profundas e oferece sentido e direção, numa dimensão de amor. O mágico/imediato (imediatismo) é a “maquinificação” da vida e da fé, a busca do pronto, do acabado. Realmente é uma grande tentação, mas, como pediu Jesus, na oração do Pai nosso: “Não nos deixe cair em tentação.”

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Mostra-nos o PAI

Disse Filipe: “Senhor Mostra-nos o Pai, e isso nos basta”. Jesus respondeu: “Você não me conhece, Filipe, mesmo depois de eu ter estado com vocês durante tanto tempo? Quem me vê, vê o Pai, como você pode dizer: ’Mostra-nos o Pai? ( Jo 14:9). Fico pensando como deve ter sido frustrante para Jesus ouvir esse pedido de Filipe. Afinal, estavam caminhando juntos, dia e noite, há pelo menos três anos. A expressão “mostra-nos o Pai!” indica que não perceberam o Pai em e com Jesus. Jesus então afirma: “Quem me vê, vê o Pai.” É como se ele dissesse: ‘o que eu faço expressa o Pai’, ‘a forma como eu vivo com vocês revela o Pai’. De forma objetiva, O Pai é visto, no evangelho de João, em todas as obras de Jesus e em seu relacionamento com as pessoas. No inicio do evangelho, quando o Verbo se faz gente, no testemunho de João Batista, no diálogo com Natanael, onde este é elogiado por Jesus quando estava debaixo de uma figueira e não acreditava que alguma coisa boa viria da Galiléia. Não podemos nos esquecer da alegria na festa do casamento em Caná, do encontro com Nicodemos, líder religioso cheio de conflitos e crises interiores. Na passagem de Jesus em Samaria, lugar onde culturalmente não poderia estar, conversando com uma mulher que não deveria conversar. Esta mulher ouve Jesus dizer que o Pai está à procura de verdadeiros adoradores. É, o Pai está com Jesus na festa se alegrando com os noivos, no comissionamento aos discípulos imperfeitos, no diálogo com um líder religioso marcado pela dúvida, na ruptura com as barreiras étnicas, geográficas, culturais, religiosas e de gênero, que havia entre Israel e Samaria. Não para por aí! O Pai está com Jesus no tanque de Betesda. Enquanto a maioria se dirige para a festa do tabernáculo, Jesus se dirige para o lugar de sofrimento humano, de dor, de busca de esperança. O Pai está com Jesus na partilha dos pães, onde o significado da partilha dos cinco pães e dois peixes é maior que o próprio milagre. O Pai está com Jesus quando alguns religiosos apresentam uma mulher pega em adultério e exigem que se aplique a Lei, ou seja, o apedrejamento. Jesus, então, de forma sábia, desmascara toda hipocrisia daqueles homens e perdoa aquela mulher em situação de profunda miséria emocional e existencial. É possível ainda ver Jesus curando um cego de nascença, confrontando a compreensão de muitos que acreditavam que se alguém nascesse cego é porque era vontade de Deus, ou, até mesmo um castigo. O Pai de Jesus não é assim! Ele mostra que a pior cegueira é aquela que não vê e nem se compadece do sofrimento humano. Que dizer então do choro de Jesus diante da morte do amigo Lázaro, da dor do luto. Ou então, como pensar no Pai, quando Jesus lava os pés dos discípulos, demonstrando claramente que o poder está no servir, não no mandar ou no oprimir. Como pensar no sofrimento de Jesus, na cruz, na angústia da morte. É, a fala de Filipe é de quem ainda não tinha compreendido que o Pai é visto no amor, na compaixão, na alegria, na justiça. O Pai é visto na caminhada com Jesus, em seu discipulado que se dá a partir da vida, do relacionamento pessoal e comunitário. O Pai é percebido na concretude da vida, com pessoas que tem dúvidas, conflitos, são imperfeitas, choram e sofrem, mas também se alegram e celebram a vida. Pessoas que erram e buscam acertar, querem ter esperança e paz. Talvez por isso Filipe não visse o Pai. Tenho a impressão que, para muitos, o Pai só pode ser visto no sucesso, nas “melhores” pessoas, nas grandes conquistas, naqueles que sempre têm razão, nas programações midiáticas, na “unção” especial de alguma celebridade gospel, nos milagres que “só” são “vistos” apenas em algumas “igrejas especiais” ou até mesmo na tradição, no dogma. Definitivamente, o Pai apresentado por Jesus se importa com as pessoas e as convida a caminhar como discípulos de seu Filho. Que sejam restauradas, amadas, que se amem, sejam fraternas e vençam as barreiras que as cercam, não com um triunfalismo barato, mas com a fé em um Pai que compreende a condição humana e convive com ela.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Aqui está o que é maior

Aqui está o que é maior que o templo.... Pois o Filho do Homem é Senhor do Sábado" ( Mt 12:6,9) Jesus está com seus discípulos numa lavoura. Eles têm fome e colhem espigas para comê-las. Em razão disso, alguns fariseus os questionam, afinal era Sábado. Jesus, então, lhes responde, valorizando a vida, colocando-a acima da própria compreensão farisaica do sagrado. Havia ali dois elementos tidos como sagrados: O Templo (espaço) e o Sábado (tempo). A compreensão de fé era limitada ao espaço e tempo, algo estático e determinante, legislador e fiscalizador. É verdade que tudo o que fazemos está limitado ao espaço e ao tempo, afinal, somos finitos e temporários, habitamos em um lugar por certo tempo; vivemos e morremos. Entretanto, a fé está justamente em transcender o espaço e o tempo, em nos levar a uma caminhada que está além da própria morte. Jesus apresenta o Reino de Deus, como U-TOPOS ( não lugar), como algo não limitado ao espaço e tempo, que vai sendo percebido numa caminhada - caminhada comunitária, não solitária - que está para além do tempo, para além daquilo que é visível. É percebido quando o se alimentar é mais importante que a frieza da norma (Mt12:1), quando a dor do outro é percebida e este respeitado ( Mt 12:13), quando a misericórdia é mais importante que os sacrifícios ( Mt12:7). Os fariseus enxergavam nas pessoas apenas normas, o que era e o que não era permitido. Aquilo que seria capaz de controlar, de colocar em ordem. Da mesma forma os fundamentalismos atuais se propõem a controlar e colocar em “ordem”. O fundamentalismo religioso se preocupa com dogmas, o científico enxerga a vida apenas como um elemento biológico, genético; o político - econômico com sua frieza, vê a vida apenas como possibilidade de manter estabilidade financeira, de mercado. O “sobrenaturalismo” religioso vê nas pessoas apenas meio para espetáculos. Jesus enxerga “gente” nas pessoas. Gente que se cansa, trabalha, sofre, mas que busca paz, alívio, busca vida, busca Deus. Os sinais de Jesus ensinam sobre esperança, misericórdia, alegria, libertação, nova vida. Daí sua fala “Aqui está o que é maior que o templo... Pois o Filho do Homem é Senhor do Sábado” ( Mt 12:6,9). O Reino de Deus é o ponto de partida e o ponto de chegada. Aqui realmente está o que é maior!