segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

O Pão Nosso de cada dia nos dá HOJE

“O pão nosso de cada dia nos dá hoje” ( Mateus 6:11). Certa vez Leonardo Boff afirmou que não há “Pai nosso” sem “Pão nosso”. Sua afirmação tem todo sentido. O pão é o sustento, a comida na mesa. Não creio que se trata de algo metafórico, mas concreto. Nos dias de Jesus a culinária não era vasta, o comum era pão, peixe e vinho; para os que tinham! É muito comum o Evangelho de Mateus nos remeter ao Livro do Êxodo. O pão traz à memória o ‘maná’ do deserto ( Êx 16). Era dado por Deus diariamente e deveria ser comido no dia, sem desperdício e sem acumular para o dia seguinte. Com exceção do sexto dia, onde era necessário “colher” a parte do sétimo dia também. O ‘Maná’ era o viver diário, o viver o hoje. Viver o hoje é um grande desafio para todos nós. Parece que nossa mente e coração sempre nos remetem ao futuro; contas a vencer, futuro dos filhos, financiamento, faculdade etc. Tudo é muito rápido, a velocidade é cibernética. Há também os saudosistas, que não pensam tanto no futuro, mas vivem do passado! Milton Schwantes ao mencionar o “pão nosso de cada dia”, destaca que quem tem fome não pensa no futuro, quer viver o presente, quer o agora. O estômago não vive vislumbrando o futuro, nem contemplando o passado, ele precisa ser atendido hoje. Também não vive para acumular! Se nossa mente e coração insistem em não viver o hoje, nosso estômago nos lembra que o hoje é tudo o que temos. O pão nos iguala! Temos essa necessidade, independentemente da classe social, nível intelectual ou cultural. Diante do pão, da mesa, do comer, percebemos a simplicidade que é tão esquecida. O comer, parar, sentar, o viver os relacionamentos ao redor da mesa, a dignidade humana. Menos correria mais reino de Deus, menos stress mais vida! Caímos na real que não somos máquinas. “O pão nosso de cada dia” também é fruto de amor e justiça, é um apelo profético. O mundo teme a escassez de alimento, afinal somos hoje sete bilhões de habitantes no planeta. O problema não é simplesmente a escassez de alimento, é a escassez da partilha, da misericórdia, da justiça, do amor. Onde boa parte dos grãos produzidos no Brasil é utilizada para alimentar gado na Europa e em alguns países asiáticos. Onde o desperdício de comida é gritante e muitos ainda passam fome. Pão e oração tem tudo a ver. Gente de oração tem consciência de sua dependência de Deus, ama a justiça, a partilha e busca aprender a viver o hoje, sem mediocridade, nem negligência com planejamento para o futuro, mas com simplicidade, com humanidade!

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

“Tu és o Deus que me vê”

Hagar era estrangeira (egípcia) e escrava de Sarai (esposa de Abrão). Uma ‘tríade’ bastante excludente - mulher, escrava e estrangeira – num sistema patriarcal. Acaba envolvida em uma situação de frustração de sua senhora com a cumplicidade de seu senhor. Sarai não podia ter filhos e propõe a Abrão que tenha um filho com Hagar. Esse, por sua vez, aprova a ideia, afinal, deitar-se com Hagar, jovem e bonita, não seria para ele uma má ideia! Ou talvez ele pensasse que isso seria uma forma de apaziguar o coração de sua mulher. Vale lembrar que ele havia recebido a promessa do Senhor de que seria pai de uma grande descendência. Hagar acaba ficando grávida de Abrão, e a partir de então sua vida se torna muito difícil! Passa a ter sérios conflitos com sua senhora, talvez por ciúmes, afinal, agora a jovem seria mãe e ela não. O texto bíblico diz que “Sarai tanto maltratou Hagar que esta acabou fugindo” ( Gn 16:6). Em meio à frustração de Sarai e a omissão de Abrão, Hagar é que sofre as consequências. Afinal, a corda arrebenta sempre para o lado mais fraco! Ela, em desespero, foge para o deserto. O que uma mulher grávida, humilhada, oprimida e sozinha poderia esperar no deserto? Talvez a morte, ou quem sabe a possibilidade de encontrar ajuda. Mas ela tem uma experiência profunda com Deus. Aquilo que em religião é chamado de epifania (manifestação de Deus). Recebe o consolo, o encorajamento. Uma escrava agora recebe o conforto divino. Hagar é primeira mulher na Bíblia a viver essa experiência. “Este foi o nome que ela deu ao Senhor que lhe havia falado: “Tu és o Deus que me vê.” ( Gn 16:13). Ela volta para a casa de sua senhora. O tempo passa, seu filho ( Ismael) nasce. Mas a história volta a repetir-se. O pesadelo volta! Dessa vez ela é expulsa de casa com seu filho. Ela e o menino no deserto. “Quando acabou a água da vasilha, ela deixou o menino debaixo de um arbusto e foi sentar-se perto dali, à distância de um tiro de flecha, porque pensou: “não posso ver o menino morrer.” Sentada ali perto, começou a chorar.’ (Gn 21:15,16). Fico imaginando a cena: uma mãe se afasta do filho para não vê-lo morrer de sede no calor escaldante do deserto. Mais uma vez o Senhor se revela a ela e a socorre, juntamente com seu filho. Mais uma vez o “Deus que me vê”, visita Hagar. O Deus que vê o que está no mais profundo do ser. Que vê os medos, dúvidas, incertezas, solidão, que vê a humilhação enfrentada, que vê a dor, que vê a vontade de viver com dignidade. O “Deus que me vê” e que está ao lado. Que compreende o que ninguém compreende. Hagar é uma das pessoas da Bíblia menos compreendidas, afinal, ela foi apenas uma “aventura” na vida de um casal, apenas uma escrava estrangeira. É vítima de pessoas que seguem a Deus, mas que não conseguem lidar com as próprias frustrações, ansiedade e insensibilidade, apesar de bem intencionados. Abrão, homem que Deus chama para uma missão especial e Sarai, sua esposa. Entre opressores e vítima, o que se vê é a dura tentativa de ajustar as coisas depois que elas estão feitas. Depois que as decisões são tomadas, principalmente quando se quer assumir o controle, mas sem a direção de Deus. O que se tem é sofrimento, feridas e muito choro. Felizmente, Deus é maior que isso tudo. Deus é maior que a cultura patriarcal, se revela a uma mulher, escrava e estrangeira. Deus é maior que as incoerências humanas, que os erros de quem não poderia errar. Felizmente, Deus é o Deus que vê! Que caminha no deserto, em meio às lágrimas de uma mãe, a fragilidade de uma criança, e a esperança de um recomeço!