terça-feira, 3 de novembro de 2009

O trágico e o belo na condição humana- parte II

“A que posso comparar esta geração? São como crianças que ficam sentadas nas praças e gritam umas às outras: ‘Nós lhe tocamos flauta, mas vocês não dançaram; cantamos um lamento, mas vocês não se entristeceram’.” ( Mateus 11:16,17).

Um dos melhores momentos para uma pessoa é quando ela se depara com sua finitude e percebe que precisa aproveitar bem todas as fases da vida. Infelizmente a grande angústia para muitos é lidar com isso, com as fases da vida. Há pessoas que insistem em recusar a fase que vive. Talvez por isso o sonho de consumo de muitos é uma cirurgia plástica ou uma lipo aspiração. A estética a todo custo, juntamente com o prazer a todo custo, têm causado um drama, pois essa obsessão pela “beleza” tem tornado as pessoas vítimas de uma exclusão. A vida passa a ser bela apenas para alguns, para aqueles que têm recursos e conseguem manter uma aparência mais jovem.

Uma postura dessas, além de não conhecer o significado de humanidade, não consegue compreender o real significado do belo. O que é o belo na vida? O que leva as pessoas a lutarem contra a própria vida em busca de algo que tão irreal? Interessante notar alguns adultos que usam roupas de adolescentes. Ouvi outro dia um ‘causo’: “um menino estava chorando, quando um velhinho viu e resolveu perguntar o motivo daquele choro. O menino então respondeu ao velho: “Eu estou chorando porque queria ter dezoito anos.” O velho olhou para o menino e também começou a chorar, dizendo: “ Eu também queria ter dezoito anos.”

O descontentamento com o próprio corpo tem causado doenças que nossas avós talvez jamais imaginassem existir: bulimia, anorexia. Como pode a luta pela beleza se tornar a tragédia na vida de pessoas? Esse desejo frenético pelo ‘belo’ tem sido vivido não só na individualidade das pessoas, mas também nas instâncias sociais e religiosas. O anseio de mostrar que é belo, jovem, representa a tentativa de mostrar que tem mais vida, mais poder. Não é difícil perceber isso no cenário religioso. Quem pode me explicar qual o sentido de uma ‘marcha para Jesus’? O que isso tem de significado concreto? Ou o que isso tem de relevância para o evangelho? Talvez tenha algum significado estético, isso eu concordo!

O que dizer de templos suntuosos ou de concorrência entre mega igrejas, que são muito “atrativas”, com suas estruturas “salomônicas” e empresariais, mas que têm dificuldade de conhecer a dor das viúvas, dos doentes, dos desempregados, dos viciados. É claro que isso atinge a todos, as megas e as pequenas igrejas. Programas televisivos que usam a mídia como meio de mostrar prestígio e poder, muito mais do que para levar o evangelho (há exceções).

A luta pelo estético tem sido maior do que a luta pela beleza da vida, pela beleza da justiça, pela beleza do sorriso das crianças e dos velhos. Como pensar igreja e até mesmo uma denominação apenas a partir de sua liturgia e não perceber que a beleza da igreja está nas pessoas e em Jesus. Mas essas pessoas são de carne e osso, que vivem as lutas do cotidiano, que querem ser notadas, não pela beleza de seus corpos, não pelos hinos que cantam, não pela tradição eclesiástica, mas pela beleza de suas vidas.

Nossa teologia poderia ser mais parecida com a de Juan Luis Segundo: “Uma teologia com sabor de vida.” Por isso eu acredito que a beleza da vida esteja realmente no dançar ao som das flautas e no chorar com o lamento, não como crianças birrentas que fazem o contrário, mas como pessoas conscientes que sabem discernir a fase da dança e a fase do lamento, vivendo cada fase da vida com dignidade e liberdade. (Mt 11:16,17)

Claudinei Fernandes

6 comentários:

  1. Existe uma crise de sentido na nova cultura, ela se manifesta de diversas formas. As drogas é um resultado disso, principalmente a cocaína em que o usuário faz uma viagem de pseudotrascendência.

    Gostei da segunda parte do texto.
    Estou escrevendo nesta linha também a partir de F. Nietzsche, irá sair no blog nos próximos dias.

    Valeu!

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  2. Estamos viciados nesta mediocridade de viver em busca do belo apartir da aparência, da estética. Quando analisamos a vida com esta visão que você sita, sabendo discernir as fases, com certeza viveremos sem os fardos pesados, e passaremos a viver a leveza da vida de Cristo em nós.
    Valeu! Penso que a mais profundidade neste assunto, continue, estou aguardando.

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  3. Legal Jeriel. Valeu pelo comentário. Espero conseguir dar mais profundidade... Um abraço

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  4. Uma vez eu escrevi que a igreja deveria ter nascido com a viúva pobre: sem sobrenaturalismo, doutrinarismo, longas discussões sobre a espécie de manifestação, e até sem nome. O belo reside no silêncio.
    Grato pelo texto. Alegro-me por tê-lo dedicado a uma linda pessoa.
    prof. Dr. Natanael

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  5. Prezado Natanael. É uma honra ler seu comentário. Muito obrigado. Um abraço

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