quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Compaixão X Incômodo

Quando Jesus saiu do barco e viu uma grande multidão, teve compaixão deles, porque eram como ovelhas sem pastor. Então começou a ensinar-lhes muitas coisas. Já era tarde e, por isso, os seus discípulos aproximaram-se dele e disseram: “Este é um lugar deserto, e já é tarde. Manda embora o povo para que possa ir aos campos e povoados vizinhos comprar algo para comer”. Ele, porém, respondeu: “Deem-lhes vocês algo para comer!” ( Marcos 6:34-37 – NVI). O Evangelho de Marcos constantemente destaca a compaixão de Jesus. A forma como ele olha as pessoas, a situação que elas vivem, aquilo que elas buscam. A grande maioria dessas pessoas era tida como impura pelos líderes religiosos, que seguiam o chamado ‘código da pureza’, um código que impunha uma forma de vida baseada em cerimonialismo e exigências que só eles ( líderes religiosos) “conseguiam” cumprir. A maior parte das pessoas era de gente pobre, enfermos, mulheres, crianças, homens sem trabalho, sem a aprovação desse código. Ali provavelmente havia mulheres que foram violentadas, estupradas, talvez idosos, pessoas que só queriam viver com dignidade. Além disso, o jugo do império romano piorava ainda mais a situação. Obviamente quando essas pessoas ficaram sabendo de um certo galileu, um nazareno que estava curando, libertando, ensinando algo novo, uma mensagem de esperança; elas iriam atrás dele, seja onde for! Talvez alguns tinham apenas um desejo pessoal, outros acreditavam na possiblidade de ter de volta a liberdade e a conquista da terra, um novo reino davídico. Alguns outros queriam apenas condições de dar uma vida melhor à suas famílias. O fato é que quando Jesus viu a grande multidão, ele teve compaixão. Os discípulos tiveram outro olhar. Eles viram que o lugar era deserto e que já era tarde. Propuseram a Jesus que mandasse as pessoas embora, assim comprariam algo para comer. A impressão é que eles queriam se livrar do problema, sabiam que não tinham como comprar, nem onde. Quem sabe eles sentiram-se impotentes diante de tanta gente com fome em um lugar árido. Jesus, então, confrontou seus discípulos dizendo-lhes que dessem a multidão algo para comer e não a dispensasse como haviam proposto. Não seria novidade dispensar, afinal, o quotidiano do povo era ser dispensado. Aquelas pessoas eram dispensáveis para o poder religioso e para Roma. Para os discípulos era um incômodo. Eles estavam numa situação difícil! Jesus realiza o chamado milagre da multiplicação dos pães. A discussão não está no milagre em si, mas na dignidade que Ele dá a essas pessoas, a compaixão que toma o coração de Jesus. O difícil não é fazer uma análise da situação, do abandono do sistema, da exclusão social, das necessidades gritantes. O difícil é a compaixão estar no coração, como esteve em Jesus. O difícil é não se acostumar com a maldade, com a indignidade na vida das famílias, com a violência. Os religiosos viram pessoas impuras, os romanos viram um 'bando' de miseráveis, os discípulos viram um incômodo, mas Jesus viu pessoas, perdidas, sem rumo, buscando algo, buscando vida. Jesus não mudou o sistema, mas ensinou compaixão, ensinou que o Reino de Deus resgata a dignidade humana, apresentando uma vida de esperança e aceitação de Deus, de um Deus que não está ‘preocupado’ com os cerimoniais de pureza, mas com a transformação de vida dos fracos, indefesos e perdidos. Uma outra lógica, um outro olhar.

Um comentário:

  1. Texto lindíssimo. Já ouvi esse mesmo texto, mas com a conotação diferenciada.
    Nesse texto, consigo ver, nossa realidade, nosso cotidiano.
    Tanto tempo já escrito e tão atual.
    E tão objetivo. Parabéns.

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