quinta-feira, 10 de maio de 2012

Do Profeta Malaquias a Zygmunt Bauman: os mesmos dilemas.

Mas para vocês que reverenciam o meu nome, o sol da justiça se levantará trazendo cura em suas asas. E vocês sairão e saltarão como bezerros soltos no curral /.../ Ele fará com que os corações dos pais se voltem para seus filhos, e os corações dos filhos para seus pais; do contrário, eu virei e castigarei a terra com maldição. (Malaquias 4:2,6 - NVI) O Antigo Testamento termina com o livro de Malaquias. Acredito que isso não tenha tanta importância para as pessoas, talvez haja até uma curiosidade cronológica ou algo assim. Mas a forma como conclui chama a atenção. Ele fala de ‘coração de pais voltados para o coração dos filhos e de coração de filhos voltados para o coração dos pais’. As traduções bíblicas mais clássicas trazem a palavra ‘converter o coração dos pais ao coração dos filhos e o coração dos filhos ao coração dos pais’. Não se trata apenas de pais e filhos biológicos, mas também de gerações que precisam se converter umas as outras. A conversão, portanto, não diz respeito apenas a mudança de coração em relação a Deus, mas também uma mudança de coração nas relações familiares, comunitárias e humanas. Corações que estão distantes e que precisam se aproximar. Voltar o coração é muito mais difícil que rever ideias. Pessoas podem caminhar juntas com os mesmos ideais ou com acordos políticos, mas não podem construir laços profundos de vida sem que os corações se voltem para si. Há família que mora na mesma casa, mas a casa não é necessariamente um lar. Respeita-se as funções, se abrigam no mesmo teto, mas os corações podem estar distantes. Há cônjuges que compartilham da mesma cama, mas vivem em mundos diferentes. Corações convertidos uns aos outros transforma indivíduos em pessoas. É importante entender, que o coração, para a Bíblia, em especial o Antigo testamento, não se refere apenas aos sentimentos, mas à vida numa dimensão mais profunda, interiorizada. Converter o coração é, portanto, converter a vida profundamente, com suas alegrias, tristezas, virtudes, anseios, fragilidades, medos, limitações, angústias, beleza, defeitos. É voltar nossa humanidade para a humanidade do outro. Talvez até haja uma abertura para o coração do outro voltar-se para o nosso coração, desde que haja apenas alegria, sorrisos, virtudes. O problema é aceitar junto o erro, a imperfeição, a fragilidade, as incoerências. É, eu sei que é difícil! Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, escreve alguns livros com títulos bastante interessantes: ‘Modernidade Líquida’, ‘Amor Líquido’, ‘Medo líquido’, ‘Tempos líquidos’ e outros. Todos esses títulos trabalham a liquidez que nosso tempo vive, ou seja, aquilo que era sólido há algumas décadas ou séculos, como a própria família, hoje sofre uma liquidez. Por líquido, ele entende como algo não permanente, sem uma estrutura sólida, segura, algo sem vínculos permanentes, sem compromissos duradouros. Assim é o tempo em que vivemos, onde as pessoas preferem viver sem solidez, se ‘individualizarem’, se ‘virtualizarem’, dedicarem tempo apenas ao que é útil e prazeroso. No Século 20, muitas pessoas experimentaram relações mecânicas, afinal o modelo era industrial. Hoje, as relações são virtuais, as redes sociais direcionam. Um mundo “espiritual” tecnológico, onde somos “perfeitos”, “justos” e “verdadeiros”, ‘compartilhamos’ e ‘curtimos’ o ‘céu’ digital. Malaquias não experimentou a indústria nem a internet, mas vivenciou o mesmo problema que sofremos hoje: a necessidade de corações voltados para outros corações, dos pais aos filhos e dos filhos aos pais. O que consola é a esperança da graça. “Mas para vocês que reverenciam o meu nome, o sol da justiça se levantará trazendo cura em suas asas. E vocês sairão e saltarão como bezerros soltos no curral.” (Ml 4:2). As expressões apresentadas são belíssimas. Sol da justiça, cujas asas trazem cura, saltar como bezerros soltos do curral. Expressões de uma cultura rural, de um mundo antigo. O sol brilha, as asas protegem, ou seja, a cura pela proteção das asas, do cuidado, do descanso daquele que ama a justiça. O cuidado de Iavé (Deus), que nos liberta, nos faz ver a beleza da vida, como um bezerro solto do curral. Num mundo marcado por tanta superficialidade, onde as instituições perderam sua relevância, onde nem mesmo a família tem o mesmo significado, oro para que o sol da justiça traga cura, que sejamos livres e que nosso coração nunca se recuse a voltar-se para o coração do outro.

Um comentário:

  1. perfeito pr Claudinei... nossos tempos modernos, com velhas dificuldades do asqueroso Inimigo de nossas almas. Tão somente ferramentas diferentes. Abçs

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